top of page

Quando a pressão por resultado te leva ao colapso: a disputa entre Lucy Charles x Taylor Knibb e a lição do Ironman Kona 2025


Taylor Knibb e Lucy Charles-Barclay - Foto: triathlete.com (Brad Kaminski)
Taylor Knibb e Lucy Charles-Barclay - Foto: triathlete.com (Brad Kaminski)

Kona nunca é só sobre quem nada, pedala e corre mais rápido. Kona é um espelho — um espelho cruel, que mostra o que acontece quando a mente humana é testada sob calor, expectativa por resultado e o peso invisível do olhar do outro. Este ano, vimos isso de perto.


O fantasma da confirmação


Lucy Charles-Barclay voltou ao Hawaii carregando mais do que sua força física. Em 2023, depois de anos colecionando vice-campeonatos, ela finalmente conquistou Kona. Em 2024, não competiu no mundial em Nice porque preferiu tratar uma lesão e concentrar tudo em voltar à ilha mágica, com a meta explícita: o título de bicampeã mundial de Ironman.

Só que existe um detalhe incômodo: conquistar pode ser libertador, mas confirmar aprisiona. Lucy não corria apenas contra o relógio ou contra suas adversárias. Corria contra o fantasma da dúvida: provar que sua vitória anterior não foi acaso. Essa pressão pelo resultado talvez fosse mais forte que o calor.


O peso da promessa


Do outro lado, estava Taylor Knibb. Jovem, agressiva, promissora. Já tinha mostrado um ciclismo impressionante em 2023, mas não conseguiu alcançar Lucy. Voltou em 2025 mais forte, mais preparada, determinada a derrubar a campeã.


E a disputa foi cinematográfica: na metade do percurso duríssimo de ciclismo, começaram um duelo intenso pela liderança que se arrastou até a maratona. Era a corrida que todos queriam assistir.


Mas Kona não respeita roteiros. Respeita apenas as forças da natureza, que não estão sob o controle de ninguém. Nem mesmo de uma campeã de Ironman. Lucy começou a sentir a quebra cedo: caminhava nos postos de hidratação, enchia a roupa de gelo. O corpo lutava contra o calor. No Energy Lab — aquele trecho onde até os deuses duvidam da própria força — não havia mais reservas. Ela parou.

Lucy Charles-Barclay - Foto: triathlete.com (Brad Kaminski)
Lucy Charles-Barclay - Foto: triathlete.com (Brad Kaminski)

Knibb herdou a liderança, mas o corpo dela também já estava beirando o limite. Faltando três quilômetros para a vitória, simplesmente colapsou.


Aqui é importante dizer: não foi fraqueza mental. Foi o corpo dizendo basta. A diferença é que talvez, ao se engajarem naquele duelo direto, ao colocarem tanta energia na pressão pelo resultado, Lucy e Knibb tenham esgotado não apenas suas reservas fisiológicas, mas também a capacidade de sustentar uma prova consistente. Em vez de correr contra si mesmas, correram presas ao olhar do outro — e o corpo pagou o preço.


A que não precisava provar nada


E foi aí que surgiu uma estreante, norueguesa, de 26 anos. Solveig Løvseth não carregava a pressão do bicampeonato, nem a obrigação de destronar alguém. Saiu atrás, fez o melhor ciclismo da prova e, mesmo com uma biomecânica pra lá de esquisita, correu de forma consistente e paciente e conquistou o primeiro lugar do pódio.


Solveig Lovseth - Foto: triathlete.com (Brad Kaminski)
Solveig Lovseth - Foto: triathlete.com (Brad Kaminski)

Quando Lucy parou e Knibb caiu, Solveig estava inteira. Não porque sofreu menos, mas porque administrou melhor a sua prova — justamente por não estar sob a mesma pressão de resultado.


É irônico, não? Uma atleta vinda do frio, estreante em Kona, correndo toda torta, triunfando justamente onde o calor não perdoa ninguém. Mas talvez seja isso: quem não tinha nada a provar, pôde simplesmente correr a própria prova.


O que está em jogo


Kona 2025 deixou claro: não se trata de ter mente forte ou fraca. Trata-se de como a pressão por resultado pode consumir as reservas — físicas e psíquicas — antes da linha de chegada.


Lucy e Knibb deram tudo o que podiam, mas deram cedo demais, talvez no duelo entre si. Solveig venceu porque manteve energia para o essencial: terminar bem a prova.


E a reflexão é inevitável: quantas vezes, na vida ou no trabalho, não desperdiçamos nossa energia tentando provar algo para os outros? Quantas vezes aceleramos para responder a uma expectativa — e acabamos quebrando antes de completar o que realmente importava?


Sofrer com inteligência


No Ironman, não vence quem sofre menos: vence quem sabe sofrer. Os noruegueses estão dominando o triathlon porque entenderam isso. Eles treinam corpo e mente juntos. Simulam o desconforto antes que ele aconteça. Aprendem a resistir com consistência, e não apenas com explosão e impulsividade.


Costumo dizer que o Ironman é uma metáfora para a vida. Prazos sufocantes, cobranças invisíveis, expectativas que drenam energia. Quantas vezes nos desgastamos tentando vencer uma disputa que nem precisava ser travada?


A lição é dura, mas clara: quando a pressão por resultado domina, o colapso é só questão de tempo.


Solveig mostrou que a paciência também é força. Que sustentar o desconforto pode ser mais poderoso do que reagir a ele. Então, quando o calor apertar: você vai gastar suas reservas provando algo para os outros — ou vai guardar energia para chegar inteiro até a linha de chegada?


 
 
 

Comentários


    ©2021 por Paula Figueira Psicanalista e Psicóloga Esportiva CRP-ES 16/1594

    bottom of page