Saber perder: o que o Oscar 2025 nos ensina sobre as derrotas no esporte e na vida.
- Paula Lampé Figueira
- 6 de mar.
- 4 min de leitura

Confesso que senti um misto de indignação e frustração ao ver Fernanda Torres perder o Oscar de Melhor Atriz por Ainda Estou Aqui. Sua atuação foi impecável, intensa e carregada de nuances, digna de todos os prêmios possíveis. Mas quem levou a estatueta foi Mikey Madison, por Anora, uma jovem atriz de apenas 25 anos. Como assim? Como uma artista experiente, com um trabalho tão poderoso, perde para uma novata?
E não foi só Fernanda. Demi Moore, em uma das atuações mais elogiadas da carreira, também saiu de mãos vazias. Seu filme A Substância toca justamente nessa ferida: a obsessão pela juventude e a invisibilização de mulheres maduras em Hollywood. Ironia ou confirmação do problema?
Mas a frustração com o resultado vai além da idade das atrizes. Ainda Estou Aqui é um filme de enorme relevância histórica, retratando um dos períodos mais sombrios do Brasil: a ditadura militar. É um filme denso, necessário, que resgata memórias fundamentais para que erros do passado não se repitam. Já Anora, é um romance com fortes cenas eróticas, com um roteiro que, para muitos, não se sustenta para além das sequências sensuais. Difícil não questionar: o que estamos premiando?
Mas a questão que trago aqui não é só o Oscar. Essa sensação de frustração diante de uma derrota é algo que todos experimentamos em algum momento — seja no esporte, no trabalho ou na vida. O que acontece quando nos preparamos, nos dedicamos, damos o nosso melhor… e, ainda assim, não vencemos? Como lidamos com isso?
No esporte, essa é uma experiência recorrente. Nem sempre o atleta mais talentoso vence. Nem sempre o mais esforçado chega ao topo. E perder, por mais desconfortável que seja, faz parte do jogo. Mas será que sabemos perder? Ou vivemos em uma cultura que só valoriza vencedores?
A psicanálise sempre enfatizou a importância de saber lidar com a perda. Freud, Lacan e Winnicott, cada um à sua maneira, exploraram como lidamos com frustrações e derrotas ao longo da vida. No esporte, perder é um evento real e concreto. Mas o que significa perder no nível psíquico?
Sigmund Freud descreveu o luto como um processo necessário para lidar com perdas significativas em seu texto Luto e Melancolia (1917). No esporte, perder é, de certa forma, um luto: há uma expectativa criada, um desejo de vitória, e quando isso não acontece, o atleta precisa elaborar essa frustração. Se essa perda não é bem processada, ela pode se transformar em ressentimento, paralisia emocional ou até em um medo constante de competir novamente.
Freud também fala em Introdução ao Narcisismo (1914) que o narcisismo é um estágio essencial do desenvolvimento psíquico, no qual o indivíduo investe sua libido no próprio ego, e que a perda ou ferida nesse investimento pode gerar sentimentos de vulnerabilidade e crise na autoestima. Pensando no esporte, a derrota pode causar uma grande ferida narcísica na nossa autoimagem. Quando um atleta perde, ele não está apenas lidando com um resultado, mas também com a sensação de que falhou, de que sua identidade como esportista foi abalada. Saber perder, então, envolve um processo de reconstrução interna, onde a pessoa precisa aprender a se separar da idealização de que "só vale a pena se for para ganhar".
Jacques Lacan praticamente em quase toda a sua obra, trouxe a ideia de que o desejo humano nunca se realiza completamente — sempre há algo que nos escapa. No esporte, essa lógica se aplica perfeitamente. Um atleta pode ganhar um campeonato, mas logo em seguida desejar vencer outro. Ou pode perder e transformar essa derrota em combustível para um novo ciclo de treino e superação.
A questão é: qual é o lugar da derrota nesse ciclo? Lacan diria que a perda nos lembra de que a perfeição e o controle absoluto são ilusões. No esporte, isso se manifesta na incerteza de cada competição. Um atleta pode treinar exaustivamente, estar no auge da sua forma, mas um detalhe — uma condição climática, um erro técnico, um adversário inesperadamente forte — pode mudar tudo. Saber perder, então, é aceitar essa falta de controle e continuar desejando, continuar jogando, continuar competindo.
Donald Winnicott, por sua vez, falou sobre a importância da frustração no desenvolvimento emocional em O Ambiente e os Processos de Maturação (1965). Para ele, uma criança precisa passar por pequenas frustrações para amadurecer e se tornar um adulto emocionalmente saudável. No esporte, a lógica é parecida: a derrota, quando bem trabalhada, pode fortalecer a resiliência, a criatividade e a capacidade de lidar com desafios.
Freud nos ensina que perder pode ser um processo de luto, mas que, quando bem elaborado, nos fortalece. Lacan nos lembra de que o desejo nunca se completa, e que o prazer do jogo deve estar além da vitória ou da derrota. Winnicott nos mostra que a frustração é necessária para o amadurecimento.
O problema é que vivemos em uma sociedade que, muitas vezes, não permite essa elaboração. Crianças são ensinadas desde cedo que precisam ser as melhores. Atletas crescem ouvindo que o segundo lugar é o "primeiro dos perdedores". O medo de perder se torna maior do que o desejo de competir. E quando isso acontece, o esporte deixa de ser um espaço de crescimento e passa a ser um campo de ansiedade e angústia.
Saber perder é uma das habilidades mais difíceis e essenciais da vida. No esporte, a derrota não significa apenas um placar negativo, mas um encontro consigo mesmo, com as próprias limitações, com o desafio de continuar apesar das frustrações.
O Oscar 2025 nos trouxe mais uma oportunidade de refletir sobre isso. Será que o prêmio foi para a melhor atuação, ou para a atriz mais jovem e com maior apelo comercial? Será que a academia perdeu uma chance de valorizar filmes que fazem pensar, como Ainda Estou Aqui, para premiar um romance que aposta no erotismo como atrativo?
No fim das contas, talvez a melhor forma de encarar essa realidade seja lembrando os versos de Vivendo e Aprendendo a Jogar, de Elis Regina:
"Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo
Mas aprendendo a jogar"
No esporte, na arte e na vida, ganhar é bom. Mas saber perder é o que realmente nos torna melhores.
Comments