top of page

E se ser "suficientemente bom" fosse a chave para a alta performance?

Atualizado: 13 de fev.


ree

Nos últimos anos, temos sido bombardeados com a ideia de que devemos nos tornar a nossa "melhor versão". O escritor e especialista em tendências Jorge Grimberg fez uma reflexão interessante sobre isso, questionando se essa busca incessante não estaria, na verdade, nos tornando a nossa pior versão. Ele aponta como os desafios digitais prometem ensinar a treinar melhor, estudar mais rápido, criar rotinas detalhadas, otimizar o sono e gerenciar a dopamina, tudo em um plano supostamente infalível. Mas a impressão que temos é que, quanto mais nos esforçamos para sermos a nossa melhor versão, mais nos sentimos insuficientes.


Grimberg destaca que esse discurso inundou as redes e gerou um mercado gigantesco que nos faz acreditar que existe um método definitivo para alcançar esse estado ideal. Mas será que não seríamos mais felizes se fôssemos apenas bons o suficiente? Ele traz o conceito de mãe suficientemente boa, do psicanalista e pediatra inglês Donald Winnicott, para essa discussão — e, ao ler sua reflexão, não pude deixar de pensar em como esse conceito se aplica ao esporte de alto rendimento.


Donald Winnicott
Donald Winnicott

Winnicott desenvolveu o conceito de mãe suficientemente boa para descrever um estilo de cuidado que equilibra suporte e autonomia. Nos primeiros meses de vida, o bebê depende quase totalmente da mãe (ou do cuidador primário), que inicialmente atende todas as suas necessidades. Com o tempo, porém, essa mãe começa a permitir pequenas frustrações, ajudando a criança a desenvolver tolerância à frustração e a capacidade de lidar com desafios. Essa transição gradual é fundamental para a construção da autoconfiança e do amadurecimento emocional.


No esporte, esse conceito se traduz diretamente na relação entre atletas, treinadores, psicólogos e familiares. No início da jornada esportiva, o suporte é essencial, mas, à medida que o atleta evolui, ele precisa aprender a lidar com dificuldades por conta própria. Um ambiente muito controlador pode gerar atletas inseguros e dependentes da validação externa, enquanto um ambiente negligente pode deixá-los desmotivados e sem direção. O ideal é encontrar o equilíbrio certo: oferecer apoio suficiente para fortalecer o atleta, sem impedir seu crescimento e autonomia.


A Psicologia do Esporte nos mostra que desenvolver a autonomia mental é um dos pilares para a alta performance sustentável. Estratégias como estabelecimento de metas, visualização e mindfulness ajudam o atleta a construir um self esportivo forte, capaz de enfrentar desafios sem perder a motivação. Afinal, alta performance não significa ausência de dificuldades, mas sim a capacidade de enfrentá-las com inteligência emocional.


No final das contas, o suporte ideal no esporte — assim como na vida — não é aquele que protege de todos os erros, mas o que ensina a crescer com eles. Talvez, em vez de buscar obsessivamente a nossa melhor versão, devêssemos focar em sermos suficientemente bons. Isso, por si só, pode nos levar muito mais longe.

 
 
 

Comentários


    ©2021 por Paula Figueira Psicanalista e Psicóloga Esportiva CRP-ES 16/1594

    bottom of page