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Nem tudo que melhora a performance fortalece o sujeito: a vitória de Pauline Ferrand‑Prévot no Tour de France Femmes 2025


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Em 2025, Pauline Ferrand‑Prévot venceu o Tour de France Femmes aos 33 anos. Mas talvez o mais impressionante da sua história não seja a camisa amarela, o tempo na frente do pelotão ou a celebração no pódio. O que mais chama atenção, para quem trabalha com a saúde mental no esporte, é o que veio antes disso: a escolha de sair de cena quando todos esperavam que ela continuasse. O tempo que ela se deu para escutar o que ainda fazia sentido e o que já não fazia mais. É aí que a história dela começa a conversar com o que vejo, escuto e sustento no trabalho na clínica com atletas.


Pauline saiu do ciclismo de estrada no auge. Campeã mundial, referência no esporte. Mas ela estava cansada, porém não era um cansaço que se resolvia com descanso físico, algo mais além. A pausa dela foi uma resposta ao mal-estar. Um mal-estar que a gente vê todos os dias em atletas que treinam sem desejo, competem no automático, seguem metas que não são mais suas.


Ela não parou porque estava fraca, parou porque teve clareza e coragem. Porque parar, às vezes, é a única forma de se preservar e isso é o que permite continuar com consistência. Mas Pauline não parou para sempre. Foi para o MTB, reencontrou o prazer no esporte, reconectou corpo e mente, e depois de conquistar o ouro olímpico em Paris 2024, decidiu voltar à estrada. Não porque “tinha que provar algo”, mas simplesmente porque quis.

Esse é o ponto central. Voltar porque quis e não porque esperavam, não porque seria bonito para a carreira ou porque seria uma boa história. Ela voltou porque fez sentido e o desejo estava vivo de novo.


No Tour, Pauline venceu porque tinha perna, claro. Mas também porque tinha clareza do que queria. Correu com estratégia, atacou na hora certa, lidou com adversidade sem perder a calma. Isso é preparo mental e também o resultado de uma escolha: a de estar ali com presença, desejo e convicção.


O retorno ao ciclismo de estrada, no entanto, não veio sem custo. Para competir em alto nível no Tour, Pauline precisou adaptar seu corpo às exigências da modalidade. Perdeu cerca de 4 kg em poucos meses sob orientação nutricional e com acompanhamento profissional. Mas mesmo assim, a mudança chamou atenção. Sua imagem magra demais gerou comentários, preocupações e, como sempre acontece quando falamos de mulheres no esporte, críticas. Curiosamente, quando homens perdem peso para melhorar a performance, chamamos de “ajuste fino”. Mas quando uma mulher faz o mesmo, levantam-se hipóteses de descontrole e transtornos alimentares.


Pauline respondeu com clareza: foi uma escolha estratégica, consciente e temporária. “Eu não quero ficar assim para sempre”, disse ela em entrevista. Ela estava ciente do preço que pagaria em busca da alta performance. A questão aqui não é julgar a decisão, mas entender o que ela representa.


Todo atleta de elite sabe que corpo e performance estão profundamente ligados, mas existe um ponto crítico em que o corpo deixa de ser potência e passa a ser um obstáculo a ser vencido. Um peso a ser reduzido, corpo a ser monitorado e um risco silencioso de sofrimento. A alimentação deixa de ser nutrição e vira cálculo, o espelho deixa de refletir presença e passa a produzir cobrança e o cansaço deixa de ser sinal de esforço e vira culpa. E o pior: tudo isso pode acontecer sob aplausos, porque o desempenho melhora, a balança desce, os watts por quilo sobem. Mas a que custo?


Para uma atleta que já havia se afastado do esporte por exaustão emocional, reencontrar o prazer e, ao mesmo tempo, lidar com esse tipo de vigilância corporal é um exercício constante de autoconhecimento. Afinal, nem toda estratégia eficiente é sustentável e nem todo ajuste físico é compatível com saúde mental.  Às vezes, o atleta cumpre o plano, bate o tempo, sobe no pódio e ainda assim sai da prova mais vulnerável do que entrou.

É por isso que saúde mental no esporte não pode ser tratada como um bônus, um extra, um “luxo” para quando der tempo. Saúde mental tem que ser estrutura. É a base que sustenta a possibilidade de escolha diante da pressão, da dor, da expectativa, do sucesso e do fracasso.


Pauline venceu com força, inteligência e estratégia. Mas também com uma consciência rara: a de que o corpo tem limites, que nem toda fase é permanente e que a performance não pode custar a própria subjetividade. Mas o esporte costuma confundir saúde mental com estar bem o tempo todo. Mas saúde mental não é ausência de conflito. É poder reconhecer o que te atravessa, é nomear os incômodos e dificuldades e principalmente aber o que te move e o que já não move mais.


É isso que faz um atleta seguir. Não a força bruta, nem o controle absoluto das emoções. Mas a possibilidade de fazer escolhas, de ajustar rota, fazer pausas. E, quando for a hora, de voltar com presença. Talvez a maior performance da Pauline tenha sido essa: Parar quando precisava, e voltar quando quis. Sustentar o próprio tempo, correr no próprio ritmo, buscar a vitória quando fez sentido para ela e não quando mandaram.


O caso da Pauline nos lembra que performance não é só sobre treinar mais ou comer melhor, é sobre buscar sentido no que se faz. É sobre escutar o próprio ritmo, lidar com conflitos internos e aprender a atravessar fases difíceis com presença e consistência.


É disso que trata a preparação mental esportiva: não de te blindar contra o desconforto, mas de te ajudar a lidar com ele de forma mais consciente, madura e estratégica.

Se você é atleta e sente que está no limite, sem prazer no que faz, ou simplesmente quer cuidar melhor da sua mente enquanto cuida do seu desempenho — isso pode ser um sinal de que é hora de olhar para esse aspecto com mais atenção.


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    ©2021 por Paula Figueira Psicanalista e Psicóloga Esportiva CRP-ES 16/1594

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