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Quem sou eu para além o esporte? Os desafios do momento da aposentadoria de atletas profissionais.

Recentemente, o mundo do esporte recebeu uma notícia que mexeu com muitos corações, inclusive o meu que joguei tênis durante boa parte dos meus 20 e poucos anos:  Rafael Nadal, um dos maiores tenistas de todos os tempos, anunciou que está se aproximando do fim de sua carreira. Para os fãs, isso representa o encerramento de uma era. Para Nadal, o fim de um ciclo que o definiu por mais de duas décadas. Mas o que muitos não imaginam é que a aposentadoria pode trazer um impacto profundo na saúde mental dos atletas. Para muitos atletas de alto rendimento, o esporte não é apenas uma profissão – é parte fundamental de sua identidade. Nadal, por exemplo, não foi apenas um tenista, mas o "rei do saibro", o guerreiro incansável que superava limites físicos e mentais. Quando chega o momento de deixar as quadras, surge uma pergunta inevitável: "Quem sou eu para além do esporte?"

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Esse questionamento é comum entre atletas que, durante a maior parte de suas vidas, dedicaram-se exclusivamente à sua performance esportiva. A aposentadoria pode abrir um espaço vazio, gerando sentimentos de incerteza, perda e em alguns casos até mesmo a depressão. O futuro, antes tão claro e focado em conquistas, pode parecer confuso e nebuloso. Aqui, os conceitos de luto e melancolia explorados por Freud em seu texto "Luto e Melancolia" (1917) podem nos ajudar a entender melhor a experiência emocional dos atletas ao se aposentarem.


Segundo Freud, o luto é uma resposta natural e saudável à perda, seja de uma pessoa, objeto ou, no caso de atletas, de uma identidade profissional que foi cultivada ao longo de muitos anos. No luto, o sujeito reconhece conscientemente o que foi perdido – neste caso, a carreira esportiva – e começa o doloroso processo de se desapegar dela. Para Nadal, esse processo pode envolver a aceitação de que ele não estará mais competindo em torneios de alto nível, que não estará mais nos holofotes da mesma forma. Entretanto, com o apoio adequado, é possível, ao longo do tempo, redirecionar essa energia emocional para novos projetos, como sua academia de tênis ou outras atividades que tragam realização e propósito. Assim como no luto saudável descrito por Freud, esse processo permite ao atleta se despedir da carreira e eventualmente seguir em frente com novos significados e objetivos.

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No entanto, Freud também nos alerta para a melancolia, que pode surgir quando o atleta, em vez de processar conscientemente a perda, internaliza de maneira inconsciente sentimentos de tristeza e frustração. Na melancolia, a perda não é claramente identificada, e o sujeito não consegue entender por que está tão devastado. Muitas vezes, a aposentadoria pode ser vivida não só como a perda de uma carreira, mas de uma parte fundamental de quem o atleta é, o que torna o processo ainda mais complexo e doloroso.

No caso dos atletas, essa sensação pode levar a sentimentos de inutilidade e autocrítica excessiva, uma autodepreciação típica da melancolia. Em vez de sentir que perderam apenas a carreira, alguns atletas podem sentir que perderam sua própria essência, levando a um ciclo de tristeza profunda e, em casos mais graves, à depressão. Por isso, o acompanhamento psicológico é essencial para evitar que o luto saudável se transforme em melancolia.


Além da perda de identidade, os atletas enfrentam desafios relacionados à rotina e ao propósito. A vida esportiva é estruturada por treinos, competições e metas. Com a aposentadoria, essa estrutura desaparece. Sem o ciclo constante de preparação e competição, muitos se deparam com o desafio de encontrar um novo sentido para os seus dias. Há também o luto pela perda de uma carreira. Sim, a aposentadoria, mesmo sendo uma decisão planejada, pode ser vivida como uma forma de luto. Os atletas se despedem não só das competições, mas de uma comunidade, de colegas de equipe e até da adrenalina que tanto os movia. É aqui que a psicologia do esporte pode fazer uma diferença fundamental. O acompanhamento psicológico nesse momento é crucial para ajudar o atleta a ressignificar sua identidade e encontrar novos propósitos. Esse processo de transição envolve trabalhar a aceitação da nova fase e explorar novos caminhos de realização pessoal e profissional.


Os psicólogos do esporte ajudam os atletas a lidar com as emoções que surgem com a aposentadoria, como ansiedade, tristeza e medo do futuro. Um ponto importante nesse trabalho é preparar o atleta para o que virá depois da aposentadoria enquanto ainda estão em atividade, criando planos de carreira paralelos, descobrindo novas paixões e interesses além do esporte. Uma das estratégias que podem ser usadas é direcionar o foco para conquistas fora das quadras ou arenas. Seja no papel de mentor, investidor, comentarista ou em qualquer outra área que desperte o interesse do atleta, o importante é que ele continue se sentindo realizado. Rafael Nadal, por exemplo, já tem projetos ligados à sua academia de tênis, mostrando que há vida além das competições e que seu impacto no esporte pode continuar, só que de novas maneiras.


A aposentadoria pode ser menos desafiadora quando o atleta conta com um sistema de suporte social sólido. A família, amigos e colegas desempenham um papel fundamental, ajudando o atleta a enxergar suas potencialidades além do esporte e a redescobrir sua essência. O suporte emocional dos mais próximos oferece uma base para que o atleta se sinta compreendido e acompanhado nesse momento delicado.


Sem dúvidas, Rafael Nadal está prestes a viver um dos momentos mais complexos de sua carreira. Esse momento de mudança traz consigo desafios emocionais e psicológicos, mas com o suporte adequado – tanto de familiares quanto de profissionais de psicologia do esporte – é possível vivenciar essa fase de maneira saudável e transformadora. Ao entender a importância do luto saudável e identificar sinais de melancolia, os atletas podem se preparar para essa fase de transição com maior clareza e resiliência. Para Nadal e tantos outros atletas que estão à beira dessa mudança, a aposentadoria não precisa ser o fim, mas o começo de uma nova jornada, cheia de possibilidades e conquistas além do esporte.


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    ©2021 por Paula Figueira Psicanalista e Psicóloga Esportiva CRP-ES 16/1594

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