É preciso falar de saúde mental no esporte!
- Paula Lampé Figueira
- 23 de mar. de 2021
- 3 min de leitura

O assunto “saúde mental” geralmente comparece no esporte quando um atleta se dispõe a compartilhar seus sentimentos e sua história. Em 2018, o nadador Michael Phelps revelou que sofria de depressão e chegou a pensar em suicídio, identificando o início do quadro logo após a sua primeira experiência olímpica em 2004. Narrou que não queria estar no esporte, tampouco estar vivo. Para ele, a presença nos Jogos custou caro para a sua saúde mental. Em 2019, a nadadora Poliana Okimoto também falou sobre a sua experiência traumática nas Olimpíadas de Londres, onde teve hipotermia e infelizmente precisou abandonar a prova, e como o acompanhamento psicológico foi fundamental para dar a volta por cima e conquistar a o ouro olímpico no Rio, em 2016.
Se por um lado o esporte é um excelente produtor de qualidade de vida, por outro, também pode propiciar muito sofrimento psíquico. A cobrança da comissão técnica, torcida e patrocinadores e a exposição na mídia podem interferir de forma negativa a vida do atleta, resultando em desgaste emocional, abalando a confiança e a motivação, contribuindo para a queda do desempenho esportivo, em casos mais graves afetar a saúde mental. Já não são raridade os casos de depressão, ansiedade, burnout, transtornos alimentares, abuso de substâncias e até suicídio tanto em atletas profissionais quanto amadores. Treinadores e demais membros de comissões técnicas também não estão isentos de passar por essas experiências de sofrimento psíquico.
Somos atravessados por uma cultura privilegia o máximo desempenho e a alta performance, onde frequentemente nos sentimos cobrados, seja pelo outro ou por nós mesmos, a sermos os melhores em tudo o que fazemos o tempo todo. Situações onde expomos nossos fracassos, sofrimentos e frustrações são vistos como demonstração de fraqueza e muitas vezes classificadas como doenças mentais.
É comum classificar como “doença” qualquer condição que desvie do que é considerado certo padrão de normalidade, noção que, a meu ver, é bastante ultrapassada. O médico francês Georges Ganguilhem já disse em sua brilhante tese “O normal e o patológico”, que uma pessoa sadia é aquela que pode usar e abusar de sua própria saúde e que não foge dos problemas causados pelas alterações de seus hábitos. Assim, sadio é quem tem a capacidade de superar até mesmo as crises orgânicas e mentais e instaurar uma nova condição de vida. Doente é quem não tolera nenhum desvio das suas condições comuns e fica incapaz de criar uma norma diferente. Normalidade é viver onde flutuações e novos acontecimentos são possíveis. Nesse ponto de vista, nem sempre o atleta precisa estar passando por “transtornos mentais” para procurar um psicanalista ou um psicólogo do esporte.
O trabalho do psicólogo no contexto esportivo costuma ser associado a uma prática que tem como objetivo somente a vitória, cuja função se reduz a fazer com que o atleta, sempre atinja sua máxima performance no espetáculo esportivo. Atualmente muitos atletas buscam nossa ajuda profissional para o que chamamos de treinamento mental ou preparação psicológica, que tem como objetivos o desenvolvimento de habilidades e técnicas para o aumento da performance esportiva. Só que nem sempre o alto rendimento é o nosso único nicho, nem a busca pelo primeiro lugar do pódio é o nosso principal objetivo de trabalho. É preciso falar não só de alta performance, mas principalmente de saúde mental no esporte.
O psicólogo pode fazer qualquer intervenção, utilizando recursos da clínica para a resoluções de questões emocionais que comparecem na prática desportiva. O trabalho de um psicanalista ou psicólogo no contexto esportivo possibilita a criação de um espaço de fala e escuta das angústias do atleta. Afinal, é praticamente impossível sair para treinar ou competir deixando nossas questões pessoais em casa! Nunca é demais lembrar que nossas emoções e afetos comparecem o tempo todo, interferindo em nosso cotidiano e muitas vezes se tornam fonte de sofrimento, por mais que sejam vistas como “mimimi” pelos outros. Privilegiar esse espaço é essencial para o atleta se desvencilhar dos seus conflitos psíquicos e ressignificar suas experiências para além da alta performance.




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